Sem parar:
Soulfly 2012: Tony Campos (baixo), Max Cavalera, David Kinkade (bateria) e Marc Rizzo (guitarra)
Parece que aquela história de reunião com a formação clássica do
Sepultura esfriou, mas
Max Cavalera prossegue com uma saudade danada do passado. Talvez por causa das mil entrevistas que concedeu ao jornalista inglês Joel McIver, que revirou a história do músico para a biografia “A Boy From Brazil”, a ser lançada até o final do ano. Ou por conta de uma mini turnê que fez com o
Soulfly em fevereiro, que passou por Goiânia, São Paulo e Rio (
veja como foi), superando uma inesperada paralisia facial. O grupo não vinha ao Brasil desde 2000, quando fez um único show no
Abril Pro Rock, no Recife. Ou ainda por ter voltado a trabalhar com o irmão Iggor no
Cavalera Conspiracy. O projeto marcou a reaproximação depois do desentendimento na separação do Sepultura, em 1996.
Max sente saudades, mas não pára. Com o Soulfly, lança este mês o oitavo álbum, “Enslaved”, e sai numa turnê “carregada” mundo afora; ele acredita fazer uns 200 shows por ano. Inspirado na volta às raízes do Cavalera Conspiracy, o disco é pau puro, death metal de raiz como ele fazia no iniciozinho do Sepultura, só que bem produzido. Para matar o tempo livre, Max está desenrolando um projeto paralelo com o vocalista do
Dillinger Escape Plan, Greg Pucciato, ainda sem nome, mas que já tem quatro músicas prontas. Um EP com o CC está nos planos, além de (viva!) uma turnê mais extensa pelo Brasil; o grupo tocou no País em 2010, no
SWU (
veja como foi), e abriu para o
Iron Maiden, em São Paulo, no ano passado.
Mas o projeto que faz os olhos de Max brilhar com mais intensidade – mesmo que esta entrevista tenha sido feita por telefone – é a gravação de um disco no Brasil, quem sabe até no Estúdio Nas Nuvens, no Rio, de onde, com o Sepultura, ele saiu com o álbum “Beneath The Remains”. O disco, lançado em 1989, arrombou as portas do mercado internacional para o grupo. São essas e outras histórias que você lê logo abaixo, numa conversa exclusiva com o “garoto do Brasil”:
Rock em Geral: Como foi a turnê pelo Brasil, você curtiu? Matou a saudade do Circo Voador?
Max Cavalera: Muito, foi muito legal. Todos os shows da turnê foram legais, especialmente os do Rio e de São Paulo, que foram os melhores da turnê. Eu achei que o público estava muito legal, conectado com a gente. Era aquela coisa de saudade mesmo, de tocar com o público que você sente falta, onde não toca há muito tempo. Cantaram as músicas junto, foi uma coisa muito emocionante. No Circo foi muito legal mesmo. O Circo tá novo, tá mudado, tem camarim novo, mas é o mesmo Circo e isso continua. Vi amigos que eu não via há 20 anos, vi o Marcelo Vasco, que pintou a capa da gente, ele mora no Rio.
REG: E a biografia, Max? Conta como rolou:
Max: Estamos fazendo eu e o Joel McIver, que é inglês. Ele fez um livro para o
Metallica que foi bem legal (
“Justice For All: The Truth About Metallica”, 2004), os caras do Metallica adoraram. Fez do Cliff Burton (
baixista do Metallica, falecido), do Randy Rhoads (
guitarrista da banda de Ozzy, falecido), do
Glenn Hughes. Ele é um cara que escreve para um monte de revista, é um nome legal. Ele me procurou e quis fazer esse livro. Eu achei bem legal, é um profissional, sabe fazer essa coisa bem. Aí comecei a fazer bastante entrevistas com ele, fiz umas mil entrevistas, falando sobre tudo, do passado, do que aconteceu, como eu cresci no Brasil, como foi a morte do meu pai, como foi começar o Sepultura. Como consegui o contrato com a Roadrunnner. Tive que viajar para os Estados Unidos de terno e gravata, com cabelo amarrado, como se fosse um executivo da Pan Am, que nem existe mais. Vai ter tudo isso no livro. A introdução vai ser feita pelo
Dave Grohl, que é um músico que eu respeito e gosto muito. Ele é hoje um dos músicos mais famosos no mundo e ficou honrado de eu ter pedido a ele para fazer a introdução do livro. Ele é muito fã, de mim e do Sepultura, do Soulfly. Nós trabalhamos juntos no Probot (
projeto heavy metal de Dave Grohl). Foi legal ele fazer a introdução e vai ter entrevistas com Sean Lennon, Tom Araya, Sharon Osbourne, essas pessoas fizeram entrevistas também e vai ficar um livro bem legal, é uma jornada nem legal.
REG: Ele ouviu o pessoal da época em que você estava no Sepultura ou preferiu fazer só com você?
Max: (
pausa) Eu não tenho muito contato com os caras, então o Iggor vai estar no livro, um pouco com o Jairo também, que é o guitarrista das antigas. Mas como eu não tenho muito contato com o Paulo e com o Andreas (
baixista e guitarrista do Sepultura, respectivamente), eu deixei meio de lado.
REG: Com relação ao disco novo, “Enslaved”, como estão as músicas? Parece algo bem do metal de raiz…
Max: Tá mais death metal (
mesmo morando no exterior há muitos anos, Max continua pronunciando “détimetal”), tá mais estranho. É o espírito do som do Sepultura do inicio, só que bem gravado, porque a produção do “Morbid Visions” (
disco do Sepultura de 1986) é muito tosca. Já o espírito das músicas é aquela coisa que eu adoro, que é o death metal bem tocado, com dois bumbos, e vem de muita coisa que eu escuto ainda, daquela época. Eu vi que tinha um lado meu me chamando para esse lado, para fazer o som mais animal, mais pesado, mais agressivo. E já que eu abandonei qualquer esperança de ter um hit single no rádio, já mandei tudo isso se fuder, então para mim é melhor ir para o lado mais extremo mesmo e botar pra fuder.
REG: Os discos do Cavalera Conspiracy já são um pouco assim…
Max: Eu acho que o Cavalera começou nessa coisa de metal mais extremo porque eu fiz com Iggor, e tem umas músicas de dois minutos, até meio hardcore, para o lado do metal hardcore, meio Minor Threat. Eu acho que o Cavalera influenciou o trabalho do Soulfly, mas esse lance de ir mais para o lado death metal foi uma ideia minha mesmo. Ouvindo essas coisas que eu ouvia no fim dos anos 80, no inicio dos 90, tipo Morbid Angel, Massacre, Death e Cannibal Corpse, essas bandas que eu gosto pra caramba, deu a ideia de fazer um disco desse tipo. E com as letras sobre a escravidão, a maioria delas fala sobre isso. É um tema meio que único no metal, não tem muitas bandas que põem a mão esse tema. Ficou uma coisa bem original, death metal com temas sobre a escravidão.
REG: Tem uma música sobre tráfico de drogas, que você canta em português…
Max: É sobre o Pablo Escobar. É a “Plata o Plomo”, que é uma gíria de drug dealer (
traficante de drogas), que eles falam no México e na Colômbia. Ela foi feita por mim e pelo Tony (
Campos, baixista). Ele toca numa banda de death metal chamada Asesino, com o Dino (
Cazares, guitarrista), do
Fear Factory, e ele tem um vocal bem animal, bem death metal, em espanhol. Eu tive a ideia de fazer uma música com ele cantando em português e ele em espanhol, misturando tudo, e fizemos sobre o Pablo Escobar, o rei da droga da Colômbia. Fala sobre a vida inteira dele, o cara quase virou presidente e matava todo mundo, era fora da lei desde moleque. Controlava o cartel de Medelín e muita gente o via como santo, mas tem gente que acha que ele era o diabo também. Eu li o livro que o irmão dele escreveu e tirei bastante ideia para fazer essa letra.
Max com o Soulfly esse ano, no Circo Voador, no Rio
REG: Você já pensou em fazer um disco com mais letras em português?
Max: Já pensei, seria legal fazer um disco inteiro em português. Dá para cantar que fica legal, eu gosto das coisas em português, tipo Dorsal Atlântica,
Ratos de Porão. Eu acho o português uma língua legal para o hardcore e para o metal, funciona bem a língua com a música, fica bem animal. Uma coisa que eu queria fazer no futuro é gravar um disco no Brasil. Eu até falei com o Iggor, que poderia ser um disco do Cavalera ou um do Soulfly, talvez uma volta ao som tribal, com muita percussão. Seria gravado no Brasil, com a percussão. É um dos planos que eu tenho para o futuro.
REG: O Soulfly tá no oitavo álbum, mas você sempre coloca músicas do Sepultura nos shows. Não dá para fazer um set só com músicas do Soulfly?
Max: Nós até já fizemos isso, na Europa. Teve alguns shows que eram um lance especial, para gravar, e era uma coisa só Soulfly, foi legal pra caramba. O lance de tocar coisas do Sepultura é um lance mais pessoal mesmo, uma coisa minha, porque eu sei que tem muita gente que quer ouvir clássicos tipo “Roots”, “Refuse/Resist”, “Troops of Doom”… o cara quer ouvir com a minha voz, é uma coisa entre eu e os fãs. Os mais velhos cresceram com essa música, eles querem ouvir com a voz original. Então eu faço isso para eles, para matar a saudade. É uma fase da minha carreira e isso me leva de volta a esse tempo que eu era do Sepultura, que eu gostava também. Eu curtia esse tempo que eu passei no Sepultura, acho que é por isso que continuo tocando essas músicas, uma mistura dessas coisas nos shows.
REG: O Zyon (filho de Max, que tocou bateria na turnê da América do Sul) vai continuar tocando com o Soulfly ou foi só essa turnê pela America do Sul?
Max: Ele tem a banda dele mesmo, que tá até no estúdio hoje, gravando uma demo, com o irmão dele, o Igor. O Zyon toca bateria e o Igor toca guitarra, e é bem legal, meio punk rock, parece um
Nirvana mais pesado. Eles têm um som original, que é diferente, bem deles mesmos. Eles tão procurando o caminho deles. O Zyon é bom pra caramba, baterista fera, mostrou para mim, segurou a balada e levou a sério, tocou bem pra caramba na turnê da America do Sul. Mas agora é pegar o caminho dele, com a banda dele. Quero dar a força que eu puder dar para eles, mas eles têm que fazer a história deles, o caminho deles. Agora o Dave (
Kinkade) volta para a banda, o baterista que gravou o disco, e vamos sair em turnê daqui a uma semana, para o México, e depois começa a turnê americana, é turnê até o fim do ano, Europa e o resto do mundo.
REG: Max, você toca pra cacete com o Soulfly. Quantos shows vocês fazem por ano?
Max: Bastante, acho que mais ou menos uns 200 shows, é turnê bastante carregada mesmo.
REG: Você viu que o Sepultura agora tá com um baterista bem mais novo?
Max: Eu ouvi dizer…
REG: Curioso que tanto o Sepultura quanto o Soulfly tenham um baterista mais novo no mesmo momento…
Max: O Dave nem é tão novo, tem quase 30 anos. (
pausa) Mas o Zyon, que é novo, só tocou com a gente na América do Sul, não vai ficar na banda. O Dave vai ficar ao menos até o final do ciclo desse CD.
REG: O Soulfly já mudou muito de formação, mas o guitarrista Marc Rizzo vai completar dez anos de banda. Podemos chamá-lo de integrante fixo?
Max: O Marc é um cara que eu não queria mudar. Acho que ele é um cara muito fera, toca bem pra caramba, consegue tocar as coisas antigas, nota por nota e faz coisas novas comigo. Adoro os solos que ele faz com a banda, é bem criativo, é um guitarrista sólido e é um dos caras que é meio parceiro. Acho que o Soulfly é meio a banda minha e do Marc, e é uma coisa que eu não queria mudar. Os outros membros podem mudar, bateria e baixo pra mim é uma coisa que pode mudar de novo, mas o Mark é um cara que eu gostaria que continuasse.
REG: O projeto com o Greg Pucciato, do Dillinger Escape Plan, como anda?
Max: Tá saindo, já fizemos quatro musicas, ensaiamos lá em Los Angeles, com o baterista do
Mars Volta, que é um baterista fudido, bom pra caramba. As quatro ficaram legais e agora a gente tá vendo quando vai ensaiar de novo para fazer outras músicas, até fazer o disco inteiro e entrar num estúdio no futuro para gravar, com alguns convidados. Tem que achar um baixista, outro guitarrista para fazer uns solos, juntar esse povo inteiro. É um projeto meio Nailbomb, que eu fiz com o Alex. Eu vou dividir o vocal com o Greg, cada um faz uma parte, misturando. Muita gente me pergunta se vou fazer alguma coisa tipo Nailbomb de novo e veio essa ideia de fazer o projeto com o Greg.
REG: O som é tipo Nailbomb?
Max: É meio baseado no Nailbomb, vai ter coisa industrial, coisa de bateria eletrônica com samplers. Umas coisas que não se ouve hoje em dia no metal. E o meu vocal com o do Greg tem um lance bem legal que é o contraste. Minha voz é de um jeito e a dele é totalmente diferente, é mais “high pit”, mais aguda, e combina com a minha voz. A música “Rise of the Falling”, que fizemos no “Omem” (
disco de 2010), do Soulfly, somos eu e o Greg cantando juntos. Ficou muito legal, é uma das músicas mais legais que eu já fiz. Eu pensei num CD inteiro com a vibração dessa música, seria um lance bem forte. E eu gosto do Dillinger, do Greg, ele tem uma vibe legal, é bem agressivo ao vivo, pula no público. Os caras ao vivo são a maior destruição. Temos que achar um nome e deve rolar o CD, gravado esse ano ainda para sair no ano que vem.
REG: Algum outro projeto agulhado? Disco novo do Cavalera Conspiracy?
Max: Agora tenho que terminar essas turnês para poder achar um tempinho para fechar esse lance com o Greg. Para o Cavalera ainda tá meio cedo. O Igor teve uma ideia de fazer um EP só com quatro músicas, bem hardcore, bem animal, só eu e ele, tocando tudo, todos os baixos e guitarras. Estamos vendo se vamos elaborar mais, e, se for rolar, talvez vamos gravar no Brasil, no estúdio Nas Nuvens.
REG: Lá onde vocês gravaram o “Beneath The Remains”, com o Sepultura…
Max: Isso! O clima é muito legal. A gente gravou num horário ruim, que era de meia noite às sete da manhã. E o sol do verão do Rio matando a gente, num hotel sem ar condicionado. Ficávamos suando no hotel o dia inteiro e depois ia gravar de noite, metal a noite inteira. Muito legal as lembranças desse tempo.
REG: Pelo jeito vocês devem voltar ao Brasil mais vezes para tocar…
Max: Tem inclusive uma proposta para tocar com o Cavalera em agosto, vamos ver se rola com uns dez shows.
Iggor e Max Cavalera juntos com o Cavalera Conspiracy, no SWU de 2010, em Itu, interior de São Paulo