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sábado, 31 de março de 2012

David Fonseca em entrevista: "O deus das pequenas coisas"

David Fonseca em entrevista: "O deus das pequenas coisas":
A 21 deste mês chega às lojas “Rising”, a primeira de duas metades que compõem “Seasons”, o quinto disco de originais de David Fonseca, que nasceu da ideia de contar a história de um ano da sua vida através da escrita de canções, tendo as pequenas coisas como inspiração e o calendário como testemunha.
Em entrevista ao Palco Principal, o músico confessou ter caído na música quase por acidente, explicou a necessidade do ato criativo que o acompanha, falou da falta de apoio estatal à divulgação da música nacional e rejeitou a ideia de que, se tivesse nascido num país diferente, se teria tornado uma superestrela de dimensão interplanetária.
 
Palco Principal - Ao longo da tua carreira sempre houve a sensação de haver algo mais para além da vida de fazer discos e reproduzi-los fielmente em palco - seja pela criação do Amazing Cats Club ou, por exemplo, da tournée “U Know Who I Am – one man, a thousand instruments and a Polaroid”, em que te expuseste mais enquanto músico. Faz parte da tua forma de ver a música este impulso criativo paralelo à vida de fazer discos?
David Fonseca - Repara, eu nunca quis ser músico efetivamente, não foi propriamente um sonho de criança que eu alimentei ao longo dos anos. O que quer dizer que a música foi parar às minhas mãos um bocadinho por acidente e muito pela curiosidade artística de querer fazer algo que me soava e me atraía para fazer sistematicamente coisas diferentes. Ora, essa ideia nunca morreu, muito pelo contrário, tem vindo a ficar cada vez mais complexa na procura de fazer sempre coisas que possam trazer alguma novidade a este processo musical e a esta viagem. Tudo isso que mencionaste – os espetáculos, até o facto de fazer coisas radicalmente diferentes na área da música - é, de alguma forma, uma recompensa por poder ter tanto tempo para me dedicar a uma forma, a uma posição - digamos assim -, o que não é fácil. A parte mais complexa em Portugal para exercer uma profissão ligada à arte é, efetivamente, que ela seja a tempo inteiro, para que se possam explorar coisas mais complexas e mais específicas, como tenho feito ao longo dos anos.


PP - Apesar de “Rising” não representar um corte com a tua discografia, está claramente virado para a exploração do rock e da eletrónica. Como chegaste a esta «nova» sonoridade, mais festiva e com indícios de uma sujidade que até agora tinha permanecido na sombra?
DF - Muitos desses fatores já tinham aparecido anteriormente nos meus concertos ao vivo, de forma mais marcada até do que alguma vez tinham soado em estúdio. Este disco foi feito segundo uma espécie de ordem cronológica onde, à medida que os temas iam aparecendo ao longo do último ano, iam entrando. O que quer dizer que não tive tanto controle sobre a sua criação, sobre a ideia de um todo que aqui se perdeu, em parte para me poder dedicar exclusivamente a cada uma das canções e a esperar que elas se pudessem ligar cronologicamente. Ora, isso fez com que os extremos fossem muito maiores na descrição de cada canção nos seus ambientes mais específicos, daí ter ido muito mais ao rock, à eletrónica, a um ambiente mais sujo que alguns temas têm, mas penso que sem fugir ao meu universo pessoal, porque aquilo que define um músico é o seu universo pessoal e a sua abordagem muito própria.


PP - Em termos líricos, parece haver um contágio primaveril - até o amor mais sofrido surge envolto por uma armadura de confiança, um espírito de superação e uma boa dose de ironia. Concordas?
DF - Comecei esta primeira parte do disco a 21 de março do ano passado, em modo primavera/verão, quando me encontrava em digressão. Havia, de facto, muitas razões para ser festivo, mais primaveril, mais aberto em relação a estas canções. Mesmo assim, há uma ou outra coisa que acontece no disco meio dura, que, de uma forma mais contemplativa, acaba por atacar outro género de emoções que não são propriamente as mais positivas. Mas, no seu todo, sim, tenho de concordar que é um disco com uma presença claramente mais positiva que o anterior. Pelo menos esta primeira parte do disco, porque a segunda não sei se será, efetivamente, assim, até porque o disco não está completamente terminado, falta gravá-lo. As canções estão feitas, mas o seu todo ainda está por definir.


PP - Qual o conceito por detrás de “Seasons” - o de querer transmitir um ano da tua vida através de canções?
DF - A ideia foi a de enclausurar os fragmentos extraordinários que acontecem na minha vida, que me emocionam de alguma forma e que me levam a querer escrever canções. Sabes, sou muito fascinado pela ideia de que há sempre coisas extraordinárias escondidas debaixo das coisas mais comuns. E acho que não sou só eu. Há uma frase que ouço recorrentemente outras pessoas dizerem quando contam histórias, que é mais ou menos assim: “e naquela altura ouvi uma coisa que nunca mais me vou esquecer”. Portanto, esta ideia de que, de repente, acontece algo que as pessoas nunca mais esquecem acontece muito mais vezes do que nós pensamos. Aliás, neste último ano em que estive especialmente atento a todos esses pequenos fragmentos que poderiam despoletar uma canção, descobri que, de facto, eles estão por todo o lado - ou pelo menos há uma certa inquietação minha que me leva a ter uma visão sempre muito aberta em encontrar estas pequenas coisas. “Seasons” acabou por ser um disco ao estilo de um diário musical baseado em todos esses fragmentos.


PP - What life is for, o primeiro avanço do disco, vai de encontro a uma modernidade musical em que os teclados revisitam de forma séria os anos oitenta, fazendo com que o que poderia para muitos ser considerado piroso se transforme em algo extremamente apelativo. Sentes que este tema é como uma viagem no tempo?
DF - Sabes, quando faço os temas, não penso muito bem sobre se eles estão dentro de algum parâmetro específico de alguma década. Curiosamente, o teclado onde fiz isto é um teclado muito antigo, chamado June 60, que veio efetivamente dos anos oitenta e cujos sons são muito parecidos com muita da música popular que veio dessa altura. Mas confesso que a minha ideia não era bem reproduzir o ambiente dos anos oitenta, mas antes cruzar esse universo, que de facto existe lá – um universo meio festivo, pop dos anos oitenta – com uma certa dureza dos tempos de hoje - porque eu acho que a canção acaba por ter partes bem duras: praticamente não tem guitarras, só sintetizadores, bateria, baixo e uma voz meio processada, longínqua, como se fosse de outro tempo - e talvez isso dê um pouco essa noção, mas confesso que não foi algo propositado.


PP - “Seasons” é um objeto conceptual de excelência. Pensas que o caminho para que os discos se continuem a vender enquanto objeto material consiste em oferecer um produto que vá para além de uma simples rodela sonora metida dentro de uma caixa de plástico?
DF - Completamente. Aliás, eu envolvo-me pessoalmente em todo o processo de feitura – estive, inclusive, sentado em gráficas, uma coisa que até agora nunca tinha feito, a discutir como é que poderíamos fazer o booklet e apresentar o disco de uma forma interessante. Continuo a fazer vinil com os meus discos, apesar do mercado ser muito pequeno, mesmo muito pequeno. É quase uma exigência minha ter vinil, mais do que uma exigência de mercado, digamos assim. Mas confesso que uma das razões pelas quais eu continuo a gostar de fazer isto prende-se muito com a ideia de, no final de tudo, produzir um objeto que tenha tanta importância para mim como a própria música. Por isso, é normal que aprecie estas versões especiais, estas novas formas de fazer um objeto específico, e bonito, que tenha a ver com a minha música, com a minha pessoa, e que esteja perto desse universo que é especial para as pessoas que gostam tanto desses objetos como eu próprio.


PP - És um dos músicos portugueses com mais projeção fora de portas, tanto pela tua experiência de repetente no South By Southwest, como pelos inúmeros concertos que já deste em diferentes países. Ainda assim, parece faltar qualquer coisa para que a música portuguesa possa conquistar de forma conseguida e como um todo o mercado internacional. Tens ideia do que faltará?
DF - Prende-se muito, obviamente, com a ideia de um certo apoio estatal à divulgação de uma cultura portuguesa, seja ela feita pela língua ou através de uma outra forma de arte. Repara que todos os projetos que se internacionalizaram, vindos de países que não têm um histórico tão acentuado de exportação – estou a excluir a América e o Reino Unido, que têm uma rede completamente feita de domínio mundial -, são tentativas específicas de fazerem chegar a sua cultura a outros sítios. Posso mencionar o caso dos Air, em França, ou da Bjork, na Islândia, os próprios Abba, na Suécia, que conseguiram sair do seu país pela qualidade da sua música e da sua arte, mas também porque contaram com um apoio estatal para poderem estar presentes noutros países através de gabinetes de exportação de música nacional, coisa que nós nunca tivemos – ou tivemos e foram imediatamente extintos. Cada esforço que qualquer artista português faça para internacionalizar a sua música é sempre um esforço pessoal, uma viagem extremamente solitária. Na primeira ou segunda vez que estive no South by Southwest conheci uma jornalista norueguesa, que me disse estar ali para fazer a cobertura de umas 12 ou 13 bandas norueguesas que tinham ido ao festival com o apoio de uma câmara municipal da cidade a que pertenciam - nem sequer era a capital! Tinham uma banca gigante para promoção e venda, organizaram uma festa própria onde convidaram jornalistas de todo o mundo, deram diversos concertos, e obviamente que tudo isto é investimento, uma visão de estar perto dos outros países de uma forma cultural. Ora, comparativamente com o meu caso, não existia nada disto: era apenas eu, um agente e uma tentativa claramente pessoal de mostrar a minha música a outros. É realmente difícil exportar música portuguesa, seja ela qual for, porque o nosso esforço é sempre pessoal, nunca tem a ver com uma certa estrutura organizada.


PP - Por vezes não tens a sensação de que, se tivesses nascido num país como os Estados Unidos ou a Inglaterra, poderias facilmente teres transformado-te numa superstar?
DF - Não, não acho. Para já, é uma suposição, e uma suposição que podia ter tudo de errado. Se eu tivesse nascido noutro sítio, poderia ter feito outras coisas, e, mesmo que fizesse música, nada garantia que tivesse seguido um percurso às tantas tão interessante como o que consegui aqui. Repara, quando estou nesses festivais, farto-me de conhecer pessoas extremamente talentosas que nunca foram conhecidas em lado nenhum, que nunca vislumbraram sequer metade do que eu consegui alcançar neste país e até noutros sítios fora de Portugal. Obviamente que é preciso algum talento, acho eu, para estar dentro de um campo musical, mas também é preciso muita sorte, muito trabalho, estar no sítio certo à hora certa, e isso não tem a ver só com essa ideia meio glorificada de que, se a pessoa tivesse nascido num sítio maior, as coisas seriam necessariamente maiores. Nem sempre é assim.


PP - “Seasons” irá contar com “ações e apresentações inéditas no mercado discográfico”. Podes dar-nos um vislumbre do que nos vai ser oferecido este ano?
DF - Para já, vamos fazer a estreia do disco a 3, 4 e 5 de abril, em Lisboa, Coimbra e Porto, em em locais onde, por norma, não costumo atuar - clubes mais pequenos onde vou estar, de facto, muito próximo do público. A minha primeira intenção ao tocar ao vivo foi, em primeiro lugar, fazê-lo muito perto das pessoas. Nos últimos anos em Portugal tenho tocado em locais de grande escala ou então em teatros onde as pessoas estão sentadas, mas sempre com um certo distanciamento entre o palco e o público, pelo que será uma forma bem diferente de começar. Depois, com todo este conceito do disco, é também provável que o espetáculo possa evoluir para algo mais interessante, mas que não posso explorar muito mais porque ainda está tudo a ser alinhado e preparado. Existe já uma ideia mas ainda é cedo para falar.


Pedro Miguel Silva


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Foto depois da festa.