Quem assistiu as últimas apresentações do Ira! (plugado, após a turnê do Acústivo MTV) sacou que a banda voltou definitivamente para o formato vocal + guitarra + baixo + bateria que a consagrou na metade da década de 1980. Ou seja, sepultam-se – pelo menos por ora – as esquisitices eletrônicas (graças a Deus) e o banquinho e o violão do álbum acústico, de 2004. Esse é o tom de Invisível DJ, lançado pelos paulistas seis anos após o último álbum de inéditas. O resultado é uma porrada sonora: só não funciona para quem conheceu a banda através de Teorema.
Nasi (vocal) completou 45 primaveras em 2007, mesma idade de Edgard Scandurra (guitarra). André Jung (bateria) tem 46 anos e Gaspa (baixo) chegará aos 50 no ano que vem. Como Romário (41), os quarentões do mod continuam dando conta do recado – e não é por incompetência dos adversários, ao contrário do futebol. Momento propício, portanto, para analisar uma das discografias mais consistentes do rock nacional.
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Mudança de comportamento, 1985
À sua maneira, o Brasil começava a trilhar o seu caminho mod. Quem acha cool os músicos do Cachorro Grande pulando no palco e trajando terninhos vai descobrir que o buraco é mais embaixo. Na capa do primeiro LP, as intenções já estão bem claras. Jung veste uma roupinha de marinheiro e Scandurra aparece dando um pulo a la Pete Towshend, o que está longe de ser mera coincidência com o líder do The Who. Núcleo Base, Tolices e a faixa-título ainda são entoadas de cabo a rabo nos shows, mas o filé está mesmo no “lado B”. Ninguém Entende um Mod, o hino dessa “geração”, e Como os Ponteiros de um Relógio mostram que o Ira! não era mais uma daquelas detestáveis bandas de new wave que infestaram os anos 80.
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Chega o segundo disco e começa aquele papo de maturidade. Nasi, Scandurra, Gaspa e Jung tiraram isso de letra e fizeram um discaço. Muito além do sucesso de Envelheço na Cidade, Dias de Luta e Flores em Você (tema de novela global), a obra contém a letra mais bonita escrita pelo Ira! (Quinze Anos). A clássica Vitrine Viva evoca o melhor do The Jam, uma das bandas preferidas do quarteto, e a dobradinha Gritos na Multidão e Pobre Paulista, gravadas ao vivo e já conhecidas do público, exacerba a revolta juvenil daqueles que foram chamados de menudos pelos punks.
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O ápice criativo da banda, uma espécie de Pet Sounds tupiniquim. Todo grande nome da música possui no currículo uma obra incompreendida (até Ronnie Von!), geralmente uma obra-prima. No caso de Ira!, o cineasta Rogério Sganzerla faz as vezes de O Mágico de Oz e o disco contém inserções do filme O Bandido da Luz Vermelha. Rubro Zorro, inspirada na história do lendário João Acácio, é até hoje uma das preferidas dos fãs. Como se não bastasse, com Advogado do Diabo, um rap de roda, o Ira! influenciou ninguém menos que Chico Science, mentor do mangue beat pernambucano.
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Entre a confusão rítmica de Melissa e a suavidade de Tarde Vazia (“a” balada do Ira!), temos mais um disco pouco (e mal) ouvido. Boneca de Cera, presente no Acústico, é um dos destaques.
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Começa com o riff rápido da excelente Rua Paulo, uma celebração ao livro que dá nome ao álbum. O experimentalismo abre caminho na bela A Etiópia e Meus Problemas e nas não tão inspiradas Imagens de Você e Amor Impossível. Há uma versão de Você Ainda Pode Sonhar (Raulzito e os Panteras) e duas músicas que estão entre as melhores de toda a carreira: Um Dia Como Hoje e Prisão Nas Ruas. Foi relançado em CD na versão 2 em 1, junto com o clássico Psicoacústica.
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Álbum pouco ouvido e ignorado. Lançado por questões contratuais.
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Entre regravações desnecessárias do Animals (The House of Rising Sun) e de si próprio (Nasci em 62, ao vivo), estão as versões originais de duas pérolas, Girassol e Longe de Mim. Com o sétimo álbum da carreira o Ira! mandava um recado bem claro: seguia vivo, mesmo no ostracismo.
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O título é adequado, pois o oitavo álbum soa como um ET na discografia do Ira!. O sucesso não voltou, então o caminho foi a experimentação. Fascinados pela música eletrônica (em especial o “DJ” Scandurra), os músicos assumiram de vez o flerte que havia começado em 1991. Miss Lexotan, cover do gaúcho Júpiter Maçã, alcança sucesso relativo.
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Um mal necessário, pois graças a este disco o grupo “renasceu” e voltou a ser a banda mais rock and roll do Brasil. Seguindo a onda de álbuns cover que tomava conta do inspiradíssimo rock nacional (Barão Vermelho e Titãs haviam feito o mesmo), o Ira! escolheu um repertório meia-boca e voltou às FMs com Teorema (Legião Urbana). Destaque para a versão de Bebendo Vinho, de Wander Wildner (comprovando a sintonia com o rock gaúcho).
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Uma grande apresentação ao vivo. Todos os clássicos estão aqui, provando que com um repertório destes ninguém precisa fazer cover pra ganhar a vida.
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Desde Psicoacústica, o Ira! não soava tão autêntico e criativo em estúdio. Inspirados com a volta ao mainstream, a banda “chupou” Serge Gainsbourg e se saiu com a anatômica faixa-título (“me deu o dedo, eu quis o braço e muito mais, agora estou a fim de ficar entre seus rins”). Outra pérola é a “onanista” Um Homem Só. O gaúcho regravado dessa vez é Frank Jorge, com a reflexiva Homem de Neanderthal.
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O ponto alto da banda. Só mesmo o Ira! para transformar um formato já saturado (o tal Acústico MTV) em uma ebulição fantástica que mescla os hits do passado com inéditas do quilate de Flerte Fatal, Poço de Sensibilidade e Por Amor. Imperdível!
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