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terça-feira, 17 de julho de 2012

Optimus Alive'12, dia 3: O dia em que os Radiohead reinventaram a música (e a si próprios)

Há uns bons anos atrás, a "Time" considerou os Radiohead a mais importante banda do planeta. Talvez agora seja uma boa altura para que os editores da revista americana voltem a oferecer a primeira página à banda inglesa, que ontem mostrou estar um passo e meio à frente da modernidade, reinventando-se a si mesma e à própria música de uma forma assombrosa. Cerca de 55 mil pessoas presenciaram um concerto que superou todas as expectativas.
Pena que o alinhamento deste terceiro dia – e a distribuição pelos palcos - não tenha sido a melhor escolha. Dar a Caribou a honra de abrir para Radiohead, deixando o regresso dos Mazzy Star às moscas e empurrando os Metronomy para o palco secundário para depois das 3 da manhã não parece ter sido a melhor opção.



Para aqueles que madrugaram no terceiro dia, o Palco Heineken reservou uma bela surpresa para a hora do chá. Durante pouco mais de meia hora, e graças aos dotes de Eli “Paperboy” Reed, aquele pequeno palco  transformou-se num bar esfumaçante a servir belos whiskies na Chicago de final dos anos setenta.

No último concerto da tour, a soul inflamada saiu do corpo e da garganta deste artista americano que, se dissesse numa conversa de circunstância que era primo afastado de James Brown, ninguém levaria a mal, caindo que nem um patinho feliz.
Antes de se atirar a Come And Get It, Eli “Paperboy” Reed tira o nó da gravata, desaperta os botões de cima da camisa e revela umas costas banhadas em suor. É o que se pode chamar de “hard working soul”. Grande prestação.
Miles Kane, em tempos vocalista e guitarrista dos The Rascals – e parceiro de Alex Turner (Arctic Monkeys) nos Last Shadow Puppets -, mostrou no Optimus Alive o seu rock musculado, de aspecto vistoso e com retoques de exibicionismo, à boa moda do rock & roll de há décadas atrás. E que, a espaços, é também preenchido por alguns ecos da pop inglesa (será estranho que nos lembremos dos Travis?).
Envergando umas calças a fazer lembrar uma versão artística e a preto e branco do clássico padrão leopardo, um corte de cabelo estudado ao milímetro, anéis e uma pulseira de prata, Miles Kane mostrou-se um um excelente performer, numa actuação que agradou sobretudo às filas da frente, preenchidas por uma respeitável fanzone.
Encabeçados pela “bateria siamesa” tocada a quatro mãos, coube aos Paus de Joaquim Albergaria, Hélio Moaris, Makoto Yagyu e João Shela inaugurarem as hostes musicais do palco principal, no dia de lotação esgotada do certame. Uma abertura bem ritmada, ocorrida em força, a que não faltaram os convites para dançar, a que algum público, do muito que já se encontrava no recinto, lá acedeu.
Deixa-me Ser surgiu na dedicatória ao já reputado fã João Fradique, que antes lhes havia entregue uma carta. Com Tronco Nu, ficou a pairar a deixa a que fossem despidas algumas t-shirts, o que foi acatado em quantidade reduzida, apesar dos apelos brincalhões dos dois bateristas. Felizes por integrarem o cartaz do festival, como revelaram, os Paus despediram-se com Pelo Pulso, tema já costumeiro no encerramento de atuações a despertar, inclusivamente, o público mais adormecido que se encontrava mais para trás.
As Warpaint subiram ao Palco Heineken com uma indumentária na senda do casual chic, com excepção da baixista que, ao pé das outras meninas, parecia ter saído de casa com a roupa de dormir depois de ter tocado o alarme de incêndio.
Para quem as viu na edição de 2011 do Paredes de Coura, o concerto revelou-se uma grande decepção. O som estava mau, as vozes mostraram alguma desafinação e a banda teve uma atitude em palco algo displicente, como se tudo não passasse de um ensaio aberto ao público.
Dadas as muitas vezes em tão pouco tempo que os Kooks passaram por Portugal, Luke Pitchard, como o próprio disse, já bem que podia saber falar português. Não é o caso, mas não nos parece que haja quem lhe tivesse levado a mal.
Visivelmente perdoado, a julgar pela histeria em doses simpáticas despoletada nas meninas, com reforço a uma boa presença e a um indie rock solarengo a caminhar, cada vez mais, para o dançável, os Kooks cumpriram o que lhes havia sido proposto: aquecer, ainda mais, o fim de uma já de si acalorada tarde de Verão.
“Luke will you make us happy?”, podia ser lido num cartaz mostrado algumas vezes, em close-up, nos dois ecrãs que ladeavam o palco e que, essencialmente hoje, se viram muito pertinentes na função de permitirem que todos pudessem ver o que se passava em cima do palco. Não sabemos se a mensagem há ou não de ter chegado aos olhos do carismático vocalista, enquanto debitava os versos da canção aludida – Junk Of The Heart (Happy) –, mas os sorrisos do público refletidos nesses mesmos dois ecrãs, quase que puderam assegurar que sim. Um efeito que se voltou a repercutir com Naïve, hit obrigatório, guardado para o final.
Os The Maccabees deram, no Palco Heineken, uma lição de bem tocar. Se Miles Kane nos havia brindado com o seu rock físico, já os The Maccabbees foram praticantes de um pop/rock perfumado, em crescendo, a fazer lembrar o universo dos Arcade Fire.
Em Wall of Arms, como que para negar a sua aura religiosa que provém da escolha de um nome tirado ao acaso das páginas da Bíblia, Orlando Weeks canta: "Through these eyes | There's no god above me | No devil below me | No purgatory, no pearly gates | The worms are what await me | It's only me that can forgive me and | I have faith, oh...I have faith | I have faith, oh...I have faith | In those who put up with me.” E, a julgar pelo muito apoio popular que receberam, são muitos os que mantêm uma fé cega na banda inglesa.


 

Daniel Snaith, aka Caribou, há de ter chegado ao Palco Optimus à boleia da digressão dos Radiohead, a quem tem servido de atuação de abertura. Um pouco mal enquadrado (mas coerente se nos lembrarmos que, há 10 anos atrás, essa missão de aquecimento ficou a cargo de Four Tet), Snaith e comparsas prolongaram-se por “Swim”, o último registo de originais, perante a indiferença da maioria dos festivaleiros, em marcação de lugar cerrada para assistirem à prestação dos senhores da noite.
Sun encerrou a atuação, com o sol já de fugida, e disparou, consideravelmente, a contagem decrescente para a muito aguardada entrada de cena dos Radiohead.
Os Mazzy Star deram um concerto para fãs, cujo agradecimento encarecido pela visita soou ao fim de cada tema, em demorados aplausos. Porém, poucos hão de ter saído conquistados do exterior da esfera dos convertidos. A presença algo distante de Hope Sandoval, a quem a entrada de um reforçado segundo copo de vinho desencadeou mais contentamento que o apreço do público, muito há de ter contribuído para que, com a aproximação do concerto dos Radiohead, a debandada fosse inevitável.
Ornada por projeções em concordância nostálgica, a atuação, cuja intensidade muito se fez sentir nos conhecedores de longa data, decorreu a uma baixa iluminação, incitadora de estados de espírito mais melancólicos.
A fluência da candura vocal da cantora, aliada aos devaneios exploratórios e distorções instrumentais dos seus colegas, desaguou em Fade Into You, tema mais bem recebido, cujo término ditou o maior abandono de povo. Um detalhe patrocinado pela forte concorrência, agendada dez minutos depois, no palco principal.

Lotação esgotada ao terceiro dia de Optimus Alive foi o saldo obtido pela promessa da presença dos Radiohead, cujas últimas atuações em Portugal remetem para há dez anos atrás, e para os cinco concertos repartidos por Lisboa e Porto, que deixaram os coliseus a rebentarem pelas costuras. Discograficamente, a popularidade dos meninos de Oxford pode ter vindo a decrescer - uma insignificância perante a vontade de serem vistos e o estatuto de genialidade mais que consumado que lhes tem vindo a permitir explorarem, sonoramente, o que muito bem lhes aprouver – o que, neste caso, é pouco representativo e não se reflete, de modo algum, na avidez desenfreada que esta aparição em terras lusas veio causar.
Foram precisamente os temas do mais recente “The King Of Limbs” a dominarem o alinhamento, o que pode ter causado alguma tristeza a quem chegou filado na revisitação dos primeiros discos, mas que pareceu muito longe de enfadar o maralhal reverente que por momento algum ousou pôr em risco o seu lugar privilegiado e não arredou pé das imediações do palco. Ainda assim, os momentos mais arrepiantes (salvo o brindezinho do fecho), saíram das memórias de “Ok Computer”, primeiro com Exit Music (For a Film), depois com Lucky e Paranoid Android, sem dúvida, a canção mais entoada da noite.
Everything In It's Right Place, seguida por Idiotheque, num combo demoníaco a revelar o Thom Yorke irrequieto que muitos, até então, só conheciam dos vídeos, foi introduzida por The One I Love, dos REM, a fazer recordar a segunda das últimas três performances em Lisboa, onde o mesmo se passou com If You Tolerate This Your Children Will Be Next, dos Manic Street Preachers.
Street Spirit (Fade Out), de “The Bends”, o segundo álbum do quinteto, esta noite acompanhado por mais um baterista, rematou o concerto, cuja apreciação será feita mediante uma confirmação de expectativas, já que os idílios são algo demasiado individual.
Sobre o desempenho e a dedicação em palco, sobre o cuidado como as canções foram construídas e moldadas em palco, não há, efetivamente, o que apontar.
“Dez anos é muito tempo”, reconheceu Yorke, na promessa de que não tardarão tanto em regressar. Oxalá! Embora nos tenham dito o mesmo há dez anos atrás...
Memorável q.b., essencialmente para quem pôde colmatar a imensa lacuna e viu, finalmente, os Radiohead, a atuação mais aguardada dos últimos tempos não há de ter feito história. Pouco depois, essa seria feita de volta ao palco secundário, por Alison Mosshart e Jamie Hince.
Depois do assombro chamado Radiohead, chegar ao Palco Heineken revelou-se uma missão impossível quase até para Ethan Hunt, o que fez com que quase não tivéssemos tido tempo de espreitar muito da atuação de SBTRKT. O projeto de Aaron Jerome, músico e produtor sediado em Londres, viu a sala começar a encher-se entre a deserção dos Radiohead e a preparação para os The Kills. Muita eletrónica, alguma percussão e o disparar de samples a acompanhar loops vocais e algum canto, num concerto que foi uma espécie de momento de transição.

Os The Kills contaram com um público sedento em viver as emoções do rock & roll e a banda não quis deixar a coisa por menos. De cabelo descolorado e com a diatribe no corpo, Alison Mosshart levou o público ao rubro, acompanhada pelo estilo mais discreto mas sempre muito presente de Jamie Hince, que parece ter o espírito punk a correr-lhe nas veias.
Na companhia de dois percussionistas, que deram um fundo sonoro ainda mais vibrante e celebratório, a banda revisitou diversos momentos da sua carreira, de “No Wow” a “Heart is a Beating Drum”. A certa altura, perante uma plateia ao rubro pelo poder incendiário da dupla, Alison atira um “You Guys are fucking amazing”. É mais ao contrário. Os The Kills são fucking awsome, uma das mais excitantes e demolidoras bandas do rock moderno.
Inacreditavelmente, inclusive para os próprios, às três da manhã já de segunda-feira, dia de início da semana de labor, o Palco Heineken estava a abarrotar, e assim permaneceu, até ao culminar da atuação dos Metronomy.
Apesar do tardar da hora, o público que garantiu, ainda assim, cumprir o horário de trabalho, deu provas de grande dinâmica e de muito apreço pelo colectivo eletrónico. Com Heartbreaker relembraram a passagem pela Casa da Música, no Porto (primeiro concerto em Portugal, e segundo no estrangeiro), que garantiu que, desde então, os Metronomy fossem presença assídua nos nossos palcos.
Radio Latio, no encore, encerrou o festival e uma noite que, caso se tivesse prolongado ao som de Joseph Mount, Oscar Cash, Gbenga Adelekan e Anna Prior, ninguém se iria importar.
Texto: Ariana Ferreira e Pedro Miguel Silva
Fotografias: Filipa Oliveira
O Palco Principal agradece à Ala Viagens por ter assegurado a deslocação da sua equipa de repórteres para o Optimus Alive'12.

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6º ARCA DO ROCK

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Foto depois da festa.